Mulheres começam a ganhar espaço no mercado de construção civil

Imagem: Mulheres-construção-civil

 

O programa nacional Doutores da Construção Civil, com cursos gratuitos e mantido pela indústria e lojistas do setor, contabiliza 13% de mulheres entre o total de seus capacitados. Em todo o Brasil, são 7 mil alunas entre as 52,7 mil pessoas que já passaram pelo programa.

— Até o ano passado, o número de mulheres era inexpressivo. Agora começa a chamar a atenção — analisa Kátia Matias, gerente geral da Doutores da Construção.

As mulheres buscam se aperfeiçoar em funções nas quais o detalhismo é a marca do trabalho. Pintura e acabamentos em geral são os campeões de mulheres inscritas. Elas também procuram os cursos de hidráulica, o que representa a independência da mulher na realização de pequenos reparos que antes eram feitos apenas pelos homens.

Abaixo da média nacional

Em Santa Catarina, as mulheres ainda engatinham rumo a essa nova oportunidade de trabalho. Aos poucos, começam a ser vistas em obras, em funções como rejuntadeira ou auxiliar de pedreiro.

O índice de catarinenses na Doutores da Construção é menor do que a média nacional. São 94 mulheres capacitadas, o que representa 1,34% do total. Mas o Estado não está muito longe de seus vizinhos do Sul. Rio Grande do Sul teve 102 mulheres, total de 1,45%, e Paraná teve 59, que representa 0,84%. O Estado campeão de mulheres que já se matricularam nos cursos é São Paulo (confira lista na página ao lado).

Hélio Bairros, presidente do Sindicato da Construção Civil de Santa Catarina (Sinduscon), concorda que as mulheres estão vencendo preconceitos e encarando a obra, ainda que timidamente. Mas o presidente do Sinduscon prevê um crescimento feminino no setor, nos próximos anos:

— O setor evoluiu como um todo. Encara-se com naturalidade a presença da mulher no canteiro de obras, que hoje está mais limpo. Há 10 anos, um canteiro de obras era um horror, ninguém queria entrar. Hoje tem boa infraestrutura, o que atrai a mulher — avalia.

Uma espécie de crise masculina é outro fator contribuinte para a força das mulheres na construção civil. Segundo o presidente do Sinduscon, faltam profissionais. Quem atua no mercado está saturado de trabalho. Muitos desses trabalhadores aprenderam a função há muito tempo, herança de pais e avôs, e não têm a qualificação que o mercado exige hoje.

Rejuntadeiras com orgulho

A experiência de ficar de ponta-cabeça num andaime foi incrível. Ficar mexendo na massa até chegar no ponto para rejuntar o piso também é muito divertido. As irmãs Ediana Santos Oliveira, 27 anos, e Regiane Pereira dos Santos, 19, não querem saber de outro trabalho. São rejuntadeiras com satisfação.

— Tive propostas para trabalhar em shopping e restaurante. Mas eu não quero. Prefiro aqui — diz Ediana.

As duas são as únicas rejuntaderias de uma empreiteira, em Florianópolis. Trabalham na construção de um resort na Cachoeira do Bom Jesus. Quem apostou que mulheres podiam dar certo na função foi o mestre de obras Hélio Silva:

— É um trabalho que precisa de muito capricho — conta.

Foi o próprio Hélio que ensinou as moças. Quatro meses depois de terem iniciado o trabalho, elas dão um banho nos colegas:

— Os homens rejuntam tudo e limpam depois. Mas isso não adianta, porque o rejunte seca muito rápido e acaba ficando manchado. Tem que ir passando e limpando na sequência — ensina Regiane.

A dupla vai tão bem no trabalho que semana passada um colega de Hélio, também mestre de obras, ligou para ele pedindo uma delas emprestado. Mas Hélio não abre mão das meninas.

Só dá elas no curso

Dos 23 alunos que se formaram essa semana num curso de qualificação em construção civil, no Bairro Frei Damião, em Palhoça, 19 eram mulheres. Cloi Polastro, coordenador do curso, se surpreendeu com a procura feminina. Quando as aulas iniciaram, há seis meses, eram 42 alunos e só oito homens.

— Elas se mostraram exímias acabadoras e muito dedicadas — conta.

Rosimar Gosh, 29 anos, é uma delas. Grávida do sexto filho, ela trabalha com o mesmo empenho das colegas, na construção de uma cozinha industrial. O trabalho faz parte das aulas práticas.

— É menos cansativo do que fazer faxina. As mulheres estão ultrapassando mais uma barreira — orgulha-se.

Marisa Morganti, 30 anos, outra aluna, procurou o trabalho como uma forma de aumentar a renda da família.

— Deixamos a obra bem limpinha, diferente dos homens — afirma Marisa, que fez questão de colar figurinhas no capacete para manter o clima feminino, no ambiente tão masculino.

Professor de construção civil do Senai de Santa Catarina, Joel Pereira Heleno se acostumou com as mulheres nas aulas e diz que elas são capazes de fazer qualquer serviço.

Segundo o professor, as empresas buscam por mulheres para os serviços de acabamento, por elas serem mais detalhistas e centradas.

O curso é gratuito, mantido pela Pedra Branca Construtora, Senai e Centro de Assistência e Desenvolvimento Integral (CADI).

Sonho realizado

Elizabete Bastos do Carmo Souza Pereira (ao lado), 41 anos, já trabalhou em muita coisa – de vendedora de cosméticos a faxineira. Mas sempre guardou o sonho de atuar em obra. Diz que é porque se “incomodou” tanto com os pedreiros que construíram sua casa que gostaria de entender mais do assunto. Mas não é só por isso. Ela se interessa pela construção. Gosta de saber como está o andamento dos trabalhos, se a parede está ficando bem retinha. Quando surgiu o curso no bairro onde mora, decidiu se inscrever. O marido não se importou, e Elizabete seguiu em frente.

— Eu faço de tudo, mas gosto mesmo da parte das ferragens — afirma.

Essa semana ganhou o certificado de conclusão. Como as outras mulheres do curso no Cadi, na Frei Damião, em Palhoça, poderá trabalhar como auxiliar de pedreiro, em acabamentos e também preparando a massa.

Mas ela está tão feliz que já sonha mais alto. Ano que vem, pretende se matricular na faculdade. O curso? Engenharia civil.

 

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