Diogo Bastos: Eleições na Turquia apontam o caminho da continuidade

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Diogo Bastos: Eleições na Turquia apontam o caminho da continuidade

bandeira da turquia

 

Em 1º de Novembro, as eleições turcas causaram surpresa quando o partido da situação AKP (Partido da Justiça e Desenvolvimento, em tradução livre para o português) ganhou a maioria das cadeiras do parlamento, dando mais quatro anos para o presidente Recep Tayyip Erdogan consolidar seu poder e buscar o aumento das atribuições da presidência, atualmente um cargo mais cerimonial, ao propor uma nova constituição para o país.

A Turquia vem ganhando as manchetes no mundo, devido à crise imigratória de refugiados buscando asilo na Europa, pois é de seu território que eles partem rumo à Itália ou Grécia, sendo levados por contrabandistas em botes superlotados que frequentemente causam acidentes terríveis e a morte de milhares de pessoas. A própria Turquia, em negociações recentes, travou diálogos com a União Europeia para receber aportes de dinheiro para que ela possa ter mais condições de acolher os milhares de imigrantes que chegam a seu território para tentar fazer a travessia do Mediterrâneo e ela própria já concedeu asilo a mais de um milhão de refugiados.

Este cenário faz as eleições no país serem muito importantes para a definição de como esta potência regional tomará suas posições dentro dos próximos quatro anos. No poder desde 2002, o partido islâmico AKP defende o livre mercado e busca a adesão da Turquia à União Europeia, porém o fato de seus membros serem ligados ao islamismo tem travado as negociações e colocado a União Europeia reticente quanto à votação para entrada do país no bloco, recebendo bloqueios da própria Alemanha, que possui uma crescente comunidade de turcos e já viveu momentos de tensão social com xenofobia contra os imigrantes turcos e a própria proibição de construção de mesquitas em território alemão.

A Turquia detém papel fundamental no xadrez político do Oriente Médio, tendo defendido abertamente a queda do presidente sírio Bashar Al Assad como um pilar essencial da paz no país. O próprio AKP é feroz combatente dos curdos que buscam a criação de um Estado independente em parte do território turco e outros Estados regionais, sendo os curdos um dos povos mais atacados pelo autodenominado Estado Islâmico. Quando do resultado das eleições, houve conflito entre curdos e forças policiais turcas em protesto à manutenção do AKP no poder, levando o governo a declarar que a insurgência curda não conseguiria coexistir com a democracia.

O partido do presidente Receep Tayyip Erdogan, que já domina o cenário político turco há mais de 10 anos e é acusado de querer instituir um governo islâmico autoritário na Turquia, não começou as eleições em seu melhor momento, tendo perdido votos em eleição recente, sofrendo escândalo de corrupção interna, porém utilizou-se de um discurso nacionalista, clamando que os eleitores escolhessem a estabilidade, frente à recente insurgência curda e os dois ataques perpetrados pelo autodenominado Estado Islâmico em seu território, causando a morte de mais de 130 pessoas. A estratégia mostrou-se acertada e o cenário virou a favor do AKP, aonde muitos analistas previam que o partido perderia sua posição confortável de maioria, porém este se manteve como principal força política no país, ganhando 316 dos 550 assentos do parlamento.

Com a guerra com o autodenominado Estado Islâmico e a crise migratória que assola a Europa, a Turquia é uma das peças-chave no cenário desta difícil região que por muitas vezes parece uma “casa de vespas”, onde o cutucão em uma de suas partes gera um enxame que não se tem como prever aonde irá parar. Como potência regional, a Turquia se posta como um país fundamental na estabilidade de uma região já abalada por ataques e crises estando o próprio país fissurado socialmente com embates violentos entre apoiadores e críticos do governo ocorrendo internamente. Ao mesmo tempo em que apoia a derrubada do regime do presidente sírio Bashar Al Assad e ataca o autodenominado Estado Islâmico, a Turquia também critica os países que apoiam os curdos e é irredutível em suas posições contra as aspirações deste povo.

A Turquia agora está sob o olhar do mundo com relação à sua política externa, interna, suas ações regionais e sua economia, visto que os resultados destes aspectos afetam diretamente o cenário do Oriente Médio e europeu. Até 2019, veremos se o AKP conseguirá dar mais poderes ao presidente Receep Erdogan e se conseguirá trazer a estabilidade pela qual seus eleitores votaram, querendo segurança aonde veem uma crescente tensão. O cenário turco não está fácil e todos os países em volta estão de olhos atentos a seus movimentos.

* Diogo Bastos é internacionalista, trabalha na área de expatriados e estuda as questões políticas globais.

** As opiniões apresentadas nesse artigo são de responsabilidade do seu autor.