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Mulheres conquistam espaço no mundo do hip hop de Brasília

Imagem:Pixabay

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A cena hip hop tem se difundido cada vez mais entre mulheres de todo o Brasil. Aos poucos, elas têm assumido um papel que até pouco tempo atrás era exclusivo dos homens. Em um movimento cadenciado, rappers mulheres de idades diversas têm se reunido para  soltar o verbo e mandar um papo reto. Tudo pela libertação de outras mulheres. 

“Infelizmente, o movimento do hip hop e a cena rap têm em seu histórico um machismo (bastante presente). Não que nós, mulheres, não participássemos desde o início do movimento, mas o nosso papel era sempre o de embelezar o palco, sensualizar em uma dança, fazer uma pontinha em uma música ou outra”, afirma a pedagoga Luana Euzébio, de 34 anos, hoje integrante do Donas da Rima, coletivo de rap feminino do Distrito Federal e entorno. “Nós não éramos protagonistas de uma história que estava sendo contada e que tinha muito a ver conosco. Decidimos partir para cima e ocupar espaço também”, conta. 

O coletivo foi concebido a partir do edital Prêmio Cultura Hip Hop, promovido pelo Ministério da Cultura (MinC) em 2014. Julyana Duarte, produtora e idealizadora do projeto, foi uma das contempladas para o lançamento de um DVD que reunia videoclipes de mulheres rappers do DF e entorno. Da periferia de Planaltina de Goiás, Luana era uma delas. A recepção do trabalho foi tão positiva que, o que era para ser simplesmente um registro audiovisual da cena hip hop local, acabou servindo como semente para a construção de um coletivo que hoje reúne 12 mulheres. 

A opressão contra as mulheres, o machismo, a violência da periferia, os afetos e os desafiosenfrentados pela mulher da periferia são alguns dos temas comuns aos versos rimados por rappers mulheres. “O rap feito por mulheres e para mulheres é fundamental para o nosso empoderamento. Como na pedagogia, é uma troca, ensinamos e aprendemos ao mesmo tempo. A gente quer se empoderar e permitir que nossas companheiras também se empoderem por meio da nossa música e da nossa mensagem”, afirma Luana. 

Meninas que vão à luta 

Também com o intuito de encorajar meninas a atuarem na linha de frente do rap brasiliense, foi criada, em 2013, a Batalha das Gurias. O evento ocorre no último domingo de cada mês, sempre na praça do Museu da Republica. Lá, meninas de 16 a 25 anos de idade se reúnem para batalhar.  

A batalha é um duelo metafórico – nela, quem vence são as palavras. Cada disputa dura em média 10 minutos, e as participantes têm que improvisar rimas em rodadas que variam de quatro a oito versos. E são versos sobre igualdade de gênero, respeito e o papel da mulher na sociedade que dão o tom da luta. Jurados e a plateia escolhem a vencedora pela criatividade e desenvoltura da lutadora.  

“As meninas queriam batalhar, mas tinham receio de duelar com os meninos. Tinham medo de serem xingadas ou incomodadas por uma questões de estética”, conta Dihéssika Wendy, 19 anos, organizadora do evento. O receio das meninas tinha uma explicação: no rap, existem dois tipos de batalhas, a do conhecimento e a de sangue. Na primeira, os combatentes têm de criar rimas a partir de um tema específico. Já na segunda, cabe a eles atacar verbalmente seu adversário. E era justamente aí que muitos dos garotos extrapolavam. “Os meninos rimavam coisas mais pesadas e eu me sentia oprimida. A Batalha das Gurias abriu uma oportunidade para que as meninas pudessem se expor mais e dizer o que pensam”, conta Ana Carolina Nascimento, 17, também integrante do movimento. 

Já para a estudante Elisandra Martins, 21, o empoderamento feminino, jovem principalmente, ainda é algo novo, muitas vezes encarado com espanto pela sociedade.  “A gente vive em um país – pode-se dizer até em um mundo – extremamente machista. Todos os espaços são masculinizados. Nós vamos para as batalhas e as pessoas ainda se assustam. Sim, a gente tem potencial, tem intelecto, tem conceito e tem arte. Temos tudo isso na veia, só não tínhamos espaço”, diz. 

A Batalha das Gurias foi realizada pela primeira vez em agosto de 2013. Em sua primeira edição, contou com a participação de cinco garotas. O número cresceu pouco desde então. No último encontro, elas eram 16. Para as meninas, entretanto, a presença e a participação frequente de garotas em diversas batalhas tradicionalmente tomadas por meninos já é uma vitória. “Até pouco tempo, menina não participava de batalha. Hoje estão em todas. Se somarmos isso, temos mais de 30 garotas batalhando – e isso só no DF”, conta Dihéssika. 

Para o diretor do Centro de Música da Fundação Nacional de Artes (Funarte), Marcos Lacerda, toda arte deve ser capaz de contemplar gêneros diversos. “Infelizmente, o protagonismo das mulheres na cena do hip hop é muito recente. O rap já traz em sua história uma representação de um grupo de oprimidos: jovens negros, pobres e da periferia. Acho que faltava, sim, a presença das mulheres nesse cenário. Qualquer expressão artística tem que ser capaz de se realizar com uma multiplicidade de protagonistas, sejam homens, mulheres ou transgêneros”, afirma, citando os rappers Karol Conká, Flora Matos e Rico Dalasam como expoentes nacionais de uma geração que tem lutado pela representatividade neste campo. 

Cultura periférica e consagração cultural 

O movimento hip hop teve origem nos guetos novaiorquinos, ainda na década de 70. O amplo movimento cultural, que tem entre os seus pilares o rap, o breakdance e o grafite, chegou ao Brasil na década seguinte e manteve a sua natureza periférica – razão pela qual o movimento seguiu em constante batalha pelo seu reconhecimento enquanto cultura por parte da sociedade.  

“O Ministério da Cultura e a Funarte funcionam como instâncias para a consagração cultural. Somos, sim, um parâmetro para que determinada expressão alcance um reconhecimento estético e cultural. Justamente por isso, temos um papel de mediação muito importante nesse contexto”, destaca Lacerda, da Funarte. 

Para a rapper Luana Euzébia, as políticas de fomento são mais do que necessárias para a consolidação de grupos e movimentos sociais frágeis. “Eu acredito que políticas públicas que tentam reparar um pouco os danos históricos que alguns segmentos da sociedade sofreram, tais como os negros e as mulheres, são extremamente importantes. A política pública bem feita, bem elaborada e com execução garantida é fundamental para reparar as desigualdades que a gente ainda vem sofrendo dentro da sociedade”, diz.

Com informações do Jornal do Brasil