Velhos vícios, novos jovens

Ilustração Mariana Coan

Os jovens não abriram mão de vícios antigos como o álcool e as drogas, mas incorporaram outros à sua vida como dependência da tecnologia e a vigorexia

O que é demais vira veneno. Assim é com o vício. Tudo bem jogar na internet e dar uma checada no Facebook todo dia. Tudo bem comprar uma sandália por mês, ou passar algumas horas bronzeando- se (com protetor, claro). Tudo bem adorar malhar ou, de vez em quando, cair de boca em uma caixa de bombons. O problema é quando isso sai do controle e passa a ocupar parte significativa da vida ou do pensamento das pessoas. Se certos hábitos acabam se transformando em vícios para os adultos, é um problema maior ainda para os jovens.

“Na adolescência a pessoa precisa lidar com muitas mudanças físicas e psicológicas, tornando-se mais suscetível a comportamentos do grupo ao qual pertence. Além disso, os vícios podem servir como alívio, ilusório, para seus questionamentos e dúvidas típicos da idade”, diz a psiquiatra Jocelyne Levy Rosenberg, autora do livro Lindos de morrer (Editora Celebris), que fala do vício do culto ao corpo.

Os vícios sempre fizeram parte da história da humanidade. Há relatos bíblicos sobre embriaguez até na Arca de Noé. Mas nada se compara à oferta que há hoje e que está à disposição de quem quiser e – principalmente – de quem tem predisposição a sucumbir seja às substâncias químicas, seja a novos hábitos. “A busca pelo prazer se disseminou. Não se trata mais apenas do consumo de substâncias químicas, mas também de inúmeros comportamentos, como a compulsão pelo uso da internet ou compras”, diz a psiquiatra Analice Gigliotti, do setor de dependência química da Santa Casa do Rio de Janeiro (RJ).

Além do exagero, o vício é marcado exatamente por essa busca do prazer imediato, característica que talvez os jovens carreguem de sua infância. É difícil convencer uma criança a poupar se ela tem o dinheiro na mão para comprar o que quer naquele momento. Da mesma forma o jovem que se vicia em algo quer, em um primeiro momento, obter a sensação boa que aquilo propicia, que pode ser uma “viagem”, relaxamento, ou até ser aceito dentro de um modelo.

Um levantamento realizado pela agência Namosca (SP), que busca entender o que se passa na cabeça dos jovens, identificou mais ou menos isso: eles estão mais preocupados com o prazer do que com o compromisso. Foram ouvidos estudantes de 15 universidades e apenas 16,1% deles disseram discordar totalmente da frase “baladas em jogos me motivam mais do que as aulas”. Mais de 50% admitiu fumar maconha.

Seja o vício provocado pelo uso de substâncias químicas ou por algum tipo de comportamento, o que acontece com o cérebro é bastante parecido. “Tudo leva a um aumento direto ou indireto dos níveis de dopamina, o principal neurotransmissor liberado pelo sistema de recompensa. Esse sistema é ativado pelo sexo, alimentação e pelas drogas de abuso”, explica o psiquiatra Arthur Guerra, do Centro de Informação sobre Saúde e Álcool (SP). “Note que a quantidade de dopamina liberada pelo uso de drogas de abuso é maior que a liberada pelos compensadores naturais, como sexo e comida. A menos que eles também saiam do controle”, completa o especialista.

Os vícios antigos persistem. Mas a eles os jovens somaram outros: a compulsão por comprar, por alimentos, ou a necessidade doentia de cultuar o corpo. A vida hoje está mais perigosa para quem está brigando para entrar no mundo adulto. Entendamos quais são os principais vícios – novos ou antigos – que atingem a juventude.

Loucos por internet 

Uma pesquisa realizada em 11 países por uma empresa de tecnologia revela que um em cada três universitários considera a internet um recurso essencial como a água, o alimento e a moradia. A convicção dos estudantes e jovens brasileiros sobre a questão está bem acima da média mundial, passando dos 66%. Para 40% dos jovens, sair com os amigos ou ouvir música é menos importante do que ficar conectado. No Brasil, o número dos que pensam assim ficou em 72%. “Talvez a internet seja o vício mais genuinamente jovem, pois a primeira geração de nativos digitais está chegando à adolescência”, diz o psicólogo Cristiano Nabuco, coordenador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (AMITI-FMUSP).

Segundo Nabuco, para quem faz uso abusivo da tecnologia, há dois caminhos: o uso atinge um pico depois de um ano e começa a regredir, ou a pessoa torna-se viciada. O vício pela tecnologia é mais difícil de controlar porque ela está por toda parte. E mais: é socialmente aceita. “Um paciente de 13 anos, viciado em internet, ganhou da mãe um iPhone. Argumentei que isso era errado. Ela respondeu: ‘uma coisa é totalmente diferente da outra’. E é claro que não é.”

Atividade física sem parar

Esse vício tem um nome ainda desconhecido das pessoas: vigorexia. Apesar disso, seus males estão disseminados. Uma pesquisa feita pelo Centro de Estudos em Psicobiologia do Exercício, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), mostrou que 28% dos atletas brasileiros são viciados em atividade física. Isso leva à depressão, à ansiedade e às crises de abstinência. A vigorexia não escolhe idade, mas afeta intensamente os jovens, cuja personalidade está em formação e precisa se espelhar em um modelo.

“O vigoréxico é uma pessoa perfeccionista ao extremo, mas com baixa autoestima. Isso gera uma distorção da imagem corporal. Um comentário negativo sobre a aparência ou uma rejeição pode desencadear o problema”, diz a psiquiatra Jocelyne. É difícil traçar o limite entre a prática saudável e o vício. Mas ele se confirma quando o jovem passa a deixar de fazer outras atividades para malhar. É grande a lista de vícios relacionados à imagem. Uma pesquisa publicada nos Arquivos de Dermatologia, dos Estados Unidos (EUA), sugere que 53% daquelas pessoas que frequentam praia e piscina ficam dependentes da pele bronzeada.

Bebida como amiga 

Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Estudante, realizada pelo IBGE e pelo Ministério da Saúde com 63 mil jovens de todo o país, sete em cada dez adolescentes entre 13 e 15 anos já consumiram álcool. O primeiro contato foi entre 12 e 14 anos. “Isso é um sério problema.

Na adolescência, o sistema nervoso central ainda encontra-se em desenvolvimento e, portanto, mais suscetível aos efeitos nocivos do álcool”, explica o psiquiatra Arthur Guerra. O limite entre o uso recreativo e o vício não está muito estabelecido. “Não é possível diagnosticá-lo apenas utilizando parâmetros como quantidade e frequência do consumo de bebidas alcoólicas. O diagnóstico é realizado a partir de critérios preestabelecidos, que levam fatores como mudança da rotina, mal desempenho acadêmico ou profissional e problemas com as relações pessoais”, completa o especialista.

Os vícios antigos persistem. Mas a eles os jovens somaram outros: a compulsão por comprar, por alimentos, ou a necessidade doentia de cultuar o corpo

Alimentos, mas não muito 

Alimento é uma fonte de saúde. Para a maior parte das pessoas, também de prazer. Mas, para uma parcela dessas, vira um vício. A taxa de obesidade entre jovens vem crescendo a uma média de 0,5% ao ano. Não significa que todo mundo que engorda está viciado. O vício aparece quando a pessoa deixa de comer para suprir as necessidades do corpo, ou mesmo por prazer, e passa a ter um comportamento compulsivo. É o chamado transtorno de exagero alimentar. Os estudos comprovam que o consumo de alimentos aciona o mesmo mecanismo que causa o vício. Pesquisadores da Universidade de Yale (EUA) observaram o cérebro processando a informação sobre alimentos por meio de ressonância magnética. Ao receberem a oferta de um chocolate quente ou milkshake,”acendiam-se” no cérebro de voluntários as regiões chamadas córtex singular e orbitofrontal, as mesmas afetadas por outros tipos de vícios. Da mesma forma que os jovens tentam emagrecer para tornarem-se parte do grupo, o oposto pode ocorrer.

Um estudo publicado na revista científica Economics and Human Biology analisou o comportamento de 5 mil adolescentes e constatou que os jovens aderem aos maus hábitos dos amigos que estão acima do peso. No outro extremo do transtorno de exagero alimentar estão a bulimia e a anorexia. “A exemplo do vigoréxico, a pessoa com bulimia ou anorexia sente a exagerada necessidade de ter uma boa aparência, o que pode ser o gatilho para o problema”, explica Jocelyne.

Vivo para comprar 

Hoje o mundo se oferece para quem tem dinheiro. Adquirie-se praticamente tudo, até sem sair da frente do computador. Alguns não resistem a essas ofertas e sucumbem ao excesso na hora das compras. Esse hábito compulsivo leva o nome de oxiomania. O vício não escolhe idade, mas certamente afeta os jovens com intensidade e está associado à vaidade, à necessidade de ter o tênis da moda, três vestidos iguais, um de cada cor para exibir para as amigas.

Um estudo feito por pesquisadores da Ching Yu University (China) concluiu que boa parte das compras compulsivas se dá pela necessidade de ter os mesmos bens dos companheiros. Diz o estudo: “A aparência física pode ser importante para a maior parte dos estudantes da universidade porque eles se comparam uns aos outros. Um bom vestido pode ajudar a fazer amigos”.

Veja onde você pode procurar ajuda

Conheça algumas instituições que auxiliam pessoas com diferentes vícios.
Ambulim - Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares Hospital das Clínicas Tel.             (11) 3069 6975
Proata - Programa de Orientação e Assistência a Pacientes com Transtornos Alimentares Tel:            (11) 5579 1543
Centros de Atenção Psicossocial do Álcool e Drogas – os endereços em todo o país podem ser obtidos por meio do site do Ministério da Saúde no endereço www.ccs.saude.gov.br/saudemental/index.php
GREA - Programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Droga Tel. (11) 2661 6960
PrevFumo Tel. (11) 5904 8045
Devedores Anônimos (DA) e-mail: [email protected]

Fonte: Revista Viva Saúde