Daniel Senise fala sobre sua experiência de expor na Maré

O evento TRAVESSIAS 2 – Arte Contemporânea na Maré, promovido pelo Observatório de Favelas da Maré – com curadoria de Felipe Scovino e Raul Mourão, reuniu no Galpão Bela Maré produções inéditas de renomados artistas visuais para uma grande troca de experiências estéticas, articulando um produtivo diálogo entre artistas consagrados e artistas locais. Um dos artistas convidados para o Travessias era Daniel Senise, que desenvolveu a obra “Parede com cinco buracos” especialmente para a exposição. Abaixo seguem algumas percepções do artista sobre a experiência de expor na Maré:

IE: Como surgiu o convite para a segunda edição do Travessias?

DANIEL: O Travessias é um projeto que começou a ser feito na comunidade da Maré, no Galpão Bela Maré, ministrado pelo Jailson de Souza. Este ano, na segunda edição, os curadores eram o Felipe Scovino e o Raul Mourão… Pra mim foi muito bom, porque sempre quis fazer um trabalho social, mas não sabia por onde começar, e esta foi uma grande oportunidade. O trabalho foi incrível.

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(Foto: oesquema.com.br)

IE: Você fez um trabalho especial para esta exposição?

DANIEL: Fiz, foi um site especific*… a decisão não foi imediata. Aconteceu depois de algumas visitas ao Galpão, e conversas com o Raul. A Parede com cinco buracos é bem diferente da minha atual produção. Era uma parede, na entrada da exposição, com cinco pequenos buracos. No primeiro buraco você via um museu de Paris, no segundo o MoMa de Nova Iorque, no terceiro era o National Gallery, de Londres, o quarto era o MAM, do Rio de Janeiro, e o último era o próprio espaço do Galpão Bela Maré.

Acho difícil este trabalho ser exposto em outro lugar, pois em qualquer outro lugar ele muda seu significado, por isso é um site specific… e sobre tudo para aquele lugar, não só pelo museu, mas para aquela comunidade, por uma questão de acesso ao circuito cultural.

Tive que justificar pra mim mesmo que este é um trabalho meu, porque é muito diferente do que eu faço. Foi um grande esforço coletivo em dois meses, foi tudo feito aqui no ateliê, as maquetes… Íamos descobrindo as coisas enquanto produzíamos. Terceirizei algumas coisas também.

(Foto: oesquema.com.br)

(Foto: oesquema.com.br)

IE: Este quinto buraco do trabalho, tem a real intenção de mostrar que o Galpão Bela Maré é um polo de arte tanto quanto os outros mostrados nos outros buracos?

DANIEL : É um lugar de arte. Não tão sofisticado como os outros, talvez. O meu desejo é fazer o trabalho em que as leituras que venham dele sejam da autoria do observador obviamente induzido por mim, e que o trabalho tenha uma visão positiva do lugar, onde você pode ver os museus do mundo e ver o lugar que está incluído nesta série. O outro desejo é que seja algo informativo, mas antes disso tudo é que seja algo sofisticado, (há alguns trabalhos contemporâneos incríveis, mas que só funcionam por enquanto em um MoMa, enfim…) Queria que as pessoas ficassem surpresas, que achassem bonito, que questionassem como era feito, por sua complexidade de produção… compreendendo que houve um grande esforço para ser apresentado ali.

IE: Como foi o feedback da comunidade a este trabalho? Você percebe que as questões dialogadas na exposição foram compartilhadas e percebidas pelos moradores locais?

DANIEL: Este trabalho obteve uma resposta muito intensa, e terá desdobramentos, que era o que eu queria. Um deles, o mais importante, é que haverá um projeto de aulas de desenho de observação, ministradas por mim, para crianças da comunidade.

Quanto ao real feedback da comunidade, eu não sei, pois não sei com o quanto da comunidade eu falei. Para chegar em uma comunidade dessas, que está oprimida pelo tráfico, que não tem liberdade de pensamento, e chega alguém da zona sul, com uma “cultura sem fronteiras”, às vezes tem uma resistência a ser enfrentada, pois esse lugar tem sua cultura local… na música, na moda, no grafite… Então os dois lados tem que saber como se comunicar. Esse trabalho do Galpão, do Jailson, do Raul Mourão, da Luísa Mello, tem a intenção de integrar esses grupos urbanos que estão separados por essa questão social em que vivemos. Então chegar lá com a melhor das intenções pode dar pouco resultado. Na inauguração tinha muita gente da zona sul. O quanto que isso repercute na comunidade local eu não sei, depende da organização. É complicado, mas é um começo.

Como essas informações são digeridas depois, é algo que está além da nossa capacidade. Cada um tem sua maneira, tem seu sistema e pensamentos, mas temos que pensar em quais outros produtos podemos oferecer para essas pessoas.

(Foto: casa.com.br)

(Foto: casa.com.br)

IE: Você pretende desdobrar mais trabalhos para a comunidade da Maré, ou para outras comunidades?

DANIEL: Há dois anos atrás dei um curso de história da arte na Biblioteca de Manguinhos, para a comunidade de Manguinhos. O público foi diminuindo ao longo das aulas, e foi sendo substituído por algumas pessoas da zona sul. Quando pensei em dar o curso novamente, me senti incomodando com aquilo, por saber que a comunidade mesmo não comparecia, mas sabia que, em primeiro lugar, eu não era um professor com uma didática incrível e não tinha a menor prática de sala de aula, embora fosse a intenção bem pragmática, de situar minimamente o que é a história da arte.

Recentemente estive em Xerém, em uma ONG que trás as crianças da comunidade, que estão no ensino fundamental, para ter aulas de arte. Os professores são voluntários, e estão lá para ter uma troca de conhecimento. Tive uma breve experiência com uma das crianças que estava desenhando, e conversando com ela sobre o seu desenho, percebi na prática daquele contexto o que já sabia na teoria, que o desenho é um grande instrumento para trazer a pessoa para o pensamento, para sua realidade em volta e se expressar sobre ela. Como a troca aconteceu de forma fácil, pois tenho o domínio da técnica do desenho, e eles ainda não tem uma resistência tão forte em relação ao mundo externo a comunidade, pensei dar aula para essa galera.

* Site especif é uma expressão das artes plásticas que  denomina uma obra elaborada e construída para um espaço, tempo, contexto e público específico.

por Aline Dantas, Instituto Empreender Cultura