Artigo “Por dentro do resultado” da Vitae Civilis avalia Rio+20

(Imagem: David Hartman / Vitae Civilis)

Em análise preliminar, comparamos as conclusões relativas a economia verde e governança às reais necessidades discutidas nos últimos dois anos. O fracasso do segmento oficial contrasta com exitosa aproximação das diferentes agendas da sociedade civil nos espaços autônomos

Oficialmente, a Rio+20 terminaria no final da sexta-feira, 22 de junho. Mas, na metade da tarde, os funcionários da ONU informaram às ONGs que já havia iniciado o desmonte de toda a estrutura armada no Riocentro. Com o anúncio de que o documento não seria reaberto pelos chefes de Estado, no dia da abertura das sessões de alto nível, gradualmente a temperatura do Riocentro caiu – e não estamos falando da frente fria que trouxe chuva e céu cinza à Cidade Maravilhosa. Grandes e importantes delegações já deixavam o Rio. Até a equipe de limpeza sabia que a Rio+20 tinha acabado mais cedo.

Como a imprensa anunciou, o governo brasileiro fez uma avaliação extremamente positiva dos resultados alcançados. Até o secretário geral da ONU, Ban Ki Moon, que inicialmente havia criticado o documento resultante do encontro, voltou atrás – e chamou uma coletiva de imprensa para anunciar sua mudança de opinião. Os países membros declararam, em discursos, que estavam frustrados com a falta de ambição do acordo, mas negaram-se a reabrir negociações.

Afinal, qual foi o resultado da Rio+20?

Não custa lembrar que a Rio+20 foi convocada justamente porque os compromissos da Rio-92 não foram plenamente cumpridos. Nos últimos 20 anos, tivemos sérios problemas de implementação, por falta das estruturas necessárias para tanto. Ora, o presente documento é carente justamente de meios de implementação. Tecnologia, recursos, nada é estabelecido, mas apenas mencionado como intenção.

No capitulo de economia verde, a redação reafirma diferentes abordagens, visões, modelos e ferramentas a serem considerados em cada país. Se, por um lado, isso evita um modelo engessado, a subsequente falta de decisões práticas abre espaço para que qualquer coisa seja classificada como economia verde, reforçando a pérfida prática de greenwashing.

Na parte de arranjos institucionais para o desenvolvimento sustentável – a chamada governança – o destaque da Rio+20 foi a decisão de se criar um fórum político de alto nível. A demanda da sociedade era por uma reforma da ONU que elevasse o status da questão ambiental dentro do sistema. A criação desse fórum apenas chuta a bola para a frente, porque não há garantia de que ele funcionará melhor que a instância que se destina a suceder: a Comissão de Desenvolvimento Sustentável. A substituição é o reconhecimento implícito de que a comissão não vem funcionando de forma eficaz.

Foi reiterado o papel do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da ONU (ECOSOC), quando o desejável seria superar a concepção de que o desenvolvimento se expressa somente em termos socioeconômicos. A reforma ou a extinção do ECOSOC teria representado a atualização da ONU ao paradigma do desenvolvimento sustentável e à visão integrada de suas dimensões no século XXI.

Foram tímidos os avanços de governança. O pilar social só reafirmou o papel do ECOSOC. No pilar ambiental, manteve-se a questão no âmbito do PNUMA, que agora tem maior participação e uma promessa de mais recursos, mas sem o upgrade real que se almejava, no formato de uma agência ou de uma organização mundial. No pilar financeiro, nenhum número. Neste último quesito, a boa notícia é que a ONU sai fortalecida, uma vez que algumas decisões financeiras poderão passar para a Assembleia Geral, quebrando o monopólio do G20. A proposta é que, até 2014, a Assembleia analise opções para uma estratégia global de financiamento do desenvolvimento sustentável.

Para quem olha o processo do ponto de vista das duas semanas de Riocentro, pode-se falar em sucesso. Para quem lembra que a discussão levou dois anos durante os quais os negociadores podiam consultar cientistas, técnicos e todo o corpo de especialistas da própria ONU, detentora de um banco de dados notável, fica difícil aceitar que uma mera declaração de intenções possa ser considerada um sucesso. Sair daqui sem nem mesmo um acordo sobre quais são as metas de desenvolvimento sustentável está aquém das mais pessimistas expectativas!

Trajetória

A falta de ambição caracterizou a Rio+20 desde que começaram suas negociações, em maio de 2010. A preparação já nasceu limitada por resistência dos mesmos países que, durante esse período e ao longo da conferência, trabalharam para limitar o alcance e o escopo de seus resultados, em uma clara defesa do status quo econômico e político. A limitação no número de dias de preparação é apenas um exemplo desse movimento. A parte processual da Rio+20, portanto, foi uma grande decepção para todos que dela participaram.

Chegamos na noite de 15 de junho com apenas um terço do documento oficial acordado. Miraculosamente, em apenas duas noites, os outros dois terços foram equacionados. Não queremos duvidar da capacidade da diplomacia brasileira – é certo que foi extremamente hábil e, por isso, justamente reconhecida por todas as delegações. Mas equacionar em dois dias o que não foi possível resolver em dois anos não deixa de ser indicativo de que o foco do trabalho foi muito mais a eficiência que a eficácia. O objetivo da Rio+20 deixou de ser uma nova visão compatível com o desenvolvimento sustentável, para se tornar uma corrida contra o relógio em direção ao acordo.

Ao contrário da Rio-92, a Rio+20 entrará para a História como a conferência da covardia. Se há 20 anos tínhamos um secretario carismático e pessoalmente engajado com a busca do avanço, agora tivemos um burocrata. Isso faz toda diferença. E se faltou liderança dentro da ONU, sobrou pragmatismo por parte dos diplomatas brasileiros, que habilmente incluíram e retiraram pleitos, de acordo com o interesse de cada país. Como os pontos de maior polêmica eram justamente os práticos – financiamento, metas, transferência de tecnologia – eles foram pragmaticamente eliminados. Essa é a comprovação do abismo que existe entre os anseios da sociedade e a agenda política. Foi a exposição crua da falta de visão de futuro e de compromisso com o bem da humanidade.

Para a sociedade civil, no entanto, a Rio+20 foi um encontro histórico, que promoveu a convergência dos diversos braços de luta ambiental e social: índios, mulheres, trabalhadores, ambientalistas, juventude. A troca de experiências e sinergia nas ações também indica que a agenda pós 2012 deve ser mais combativa.

“O Futuro que Queremos” está longe de fazer jus ao nome que carrega. Mas a união da sociedade civil está à sua altura. Esperamos que governantes e burocratas unam-se a nós e que juntos consigamos ir além do que a Rio+20 nos legou.

Fonte: Vitae Civilis