Algumas impressões da primeira mobilização no Recife

Foto: Manifesto Recife (www.facebook.com/manifestorec)

Foto: Manifesto Recife (www.facebook.com/manifestorec)

por Mariana Lyra*

Aconteceu no dia 20 de junho de 2013 a primeira manifestação na cidade do Recife, a partir dos movimentos que tomaram às ruas de várias cidades do Brasil. A pautainicial foi a reinvindicação do aumento das tarifas dos ônibus que se ampliou durante as mobilizações.

Relatarei brevemente as minhas reflexões a partir do que eu vivenciei ontem na manifestação e do que venho acompanhando nas redes sociais. Não são conclusões e simsão impressões, pois a complexidade dos acontecimentos é grande, a forma de se mobilizar via internet e levar milhares de pessoas às ruas é algo novo no Brasil.

Algumas pessoas durante essa semana me perguntaram quem eram os líderes desse movimento e eu disse não conhecer e só sabia que tinham ligação com o movimento nacional que estava sendo liderado pelo Movimento Passe Livre. Mas ao mesmo tempo não sentia liderança, não achando ruim…Houve uma reunião presencial no DCE da Universidade Católica de Pernambuco para organizar a mobilização, mas não pude participar. E não recebi informações sobre os encaminhamentos globais no evento do facebook. Lembro que uma amiga fez um post sobre a importância de se inscrever uma carta geral sobre as pautas que seriam disseminadas no protesto e fazer um diálogo com os movimentos das outras cidades com o intuito de fortalecer a articulação. Curti o post, reforcei a importância e sugeri escrever no google drive (programa colaborativo do google), mas nenhuma ressonância… Fiquei com um sentimento de falta de foco, mas segui…

Conversei com alguns amigos e questionei se participariam da mobilização e todos foram unânimes que estariam presentes,pois não queriam perder esse momento de grande mobilização da cidade, principalmente aqueles que possuem um histórico de luta. E eu fiquei acompanhando durante a semana as manifestações nas outras cidades, a violência dos policiais agirem com os manifestantes, os oportunistas do movimentotentando desvirtuar a mobilização, além do modo como a mídia de massa estava direcionando as notícias.

O Governador de Pernambuco se antecipou em relação à redução do valor das passagens na Região Metropolitana do Recife, diminuindo R$0,10, o valor que tinha aumentado no mês de fevereiro deste ano. Isso não atrapalhou amobilização, mas houve uma tentativa de esfriá-la.

Saí da casa de uma amiga caminhando até o ponto de encontro da saída da manifestação. Pegamos o irmão dela no caminho, 18 anos, sua primeira manifestação. Sem muita consciência do que era aquilo tudo, mas com curiosidade. Fomos atualizando ele de algumas pautas e respondendo suas perguntas durante toda a mobilização, o que é PEC 37, o estatuto do nascituro, entre outras.

Saímos da concentração e fomos em direção ao Marco Zero da cidade, o Recife Antigo, tinha-se discutido o porquê deste ser o ponto final, para protestar contra FIFA que fará a Fan Fest neste local e todas as condições impostas de uso. Mas isso não foi uma diretriz da grande mobilização, só de algumas pessoas.

Começamos a acompanhar a saída do protesto e vi muitas formas de manifestação, cada pessoa querendo falar algo, amaioria com cartazes nas mãos, alguns bem criativos. Emcertos momentos vi a galera gritando “vem pra rua vem!”, cantando o hino e palavras de ordens, em outros o pessoal calado, observando, conversando com o amigo e seguindo. Vi algumas pessoas gritando dizeres que não tem haver com um protesto, mas passamos o grupo e nos encontramos com outros, uma pessoal com megafone fazendo uma fala politizada. Vi várias tribos no protesto, desde os punks até as pessoas que curtem axé. Nunca tinha visto tanta gente junta ao mesmo tempo, minha recordação foi o Fórum Social Mundial 2005, que vivi uma grande desilusão da violência instalada no acampamento das juventudes, mas que faz parte da construção social a partir das contradições vividas. Tanto que participei do Fórum Social Mundial de 2006 em Caracase experimentei outra experiência.

No Recife foi uma manifestação tranquila no geral, só vi uma tentativa de arrastão. A polícia também não se excedeu, não vi atitudes truculentas. Apesar de ter visto algumas notícias no dia seguinte. Muitos disseram que isso foi estratégia, pode ter sido, mas a polícia não agiu da mesma forma como no protesto de fevereiro contra o aumento das passagens, no primeiro dia da manifestação, um cenário que se modificou no segundo dia, de acordo com vários relatos.

Não estava com muitas expectativas, sabia que não iria ver um protesto com foco. Mas conseguir tirar milhares de pessoas de casa, e muitas pela primeira vez foi uma vitória. O processo de politização será gradativo e o caminho é longo seeu parar e observar que essas pessoas que foram às ruas pela primeira vez não participam, na sua maioria, da discussão das pautas por melhorias sociais, questões como a desigualdade social, o sucateamento da educação, saúde, etc. Mas acheiimportante o dia de ontem, de ver uma diversidade de pessoas ocupando a rua, de ver as contradições, das pessoas se verem e se ouvirem.

Em relação a defender tudo e ao mesmo tempo nada, um dos sentimentos relatados por muitos manifestantes e de cada pessoa levar a sua pauta é importante pararmos pra avaliar como estão sendo desenvolvidas as manifestações, pra quer mesmo queremos realizá-las? Quais são as metas a serem alcançadas? Vamos tentar aproveitar essa oportunidade para discutir um Brasil mais justo e humano? Em momentos da passeata senti um vazio e pensei o que vem depois? A despolitização era algo previsível… Mas também não quero subestimar o potencial das pessoas de mudança Tenho a consciência que não sabemos protestar, muita coisa a aprender. Precisamos participar de forma propositiva e articulada para organizar próximas manifestações com mais foco. O ideal é realizarmos debates pra refletir as experiências, compartilhar sensações. Precisamos avançar na qualidade das pautas o carro chefe, a meu ver, é o desenvolvimento de uma real reforma política, só assim podemos avançar. Mas estou com esperança que iremos aprender caminhando.

Indico dois artigos e um vídeo:

E, em São Paulo, o Facebook e o Twitter foram às ruas. Literalmente

Primeiras reflexões


E finalizo o texto com um trecho do discurso de Slavoj Žižek, aos manifestantes do movimento Occupy Wall Street:

“Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que QUEREMOS. Qual organização social pode substituir o capitalismo vigente? De quais tipos de líderes nós precisamos? As alternativas do século XX obviamente não servem.”

* Mariana Bezerra Lyra : Colaboradora da Universidade da Juventude, administradora pela Universidade Estadual de Pernambuco, consultora na área de juventude e militante por uma sociedade mais justa, humana e sustentável. Contato: mariblyra@gmail.com