Reflexões sobre a violência policial do dia 20 de junho

Foto: Obvious

Foto: Obvious

por Allan Carvalho*

No anoitecer do dia 20 de junho, entre 300 mil e um milhão de pessoas lotaram a Avenida Presidente Vargas no Centro do Rio de Janeiro, expressando sua indignação contra vários aspectos da vida política nacional como a corrupção, o alto custo de vida, a baixa qualidade dos serviços públicos, além do aumento nas tarifas do transporte público, que iniciou a onda de manifestações que se espalha pelo Brasil nas últimas semanas.

Apesar das diferentes reivindicações, o protesto em si foi pacífico, contando com a presença de pessoas de todas as faixas etárias. No entanto, não consegui atingir o local de destino da passeata, o edifício da prefeitura da cidade, devido à enorme concentração de pessoas que se dirigiam pra lá. Resolvi voltar e só quando entrei em um restaurante de fast-food a algumas quadras de lá fiquei sabendo do que estava acontecendo: pessoas sendo brutalmente atacadas pela polícia. Quando percebi, pelas notícias da televisão, que a multidão desesperada se dirigia para onde eu estava (no entorno da Praça Mauá), procurei abrigo em um prédio onde um amigo (que me acompanhava) trabalha. Aproximadamente dez minutos depois, uma dúzia de pessoas passou correndo e atirou algumas pedras na porta do edifício. Mas não veio nenhum agente de segurança em seguida, como era de se esperar, então resolvi voltar pra casa assim que a situação pareceu estar normalizada.

Assim que cheguei a casa, sem notar nada estranho pelo caminho, mas logicamente evitando o local do protesto, liguei para amigos que eu sabia que tinham ido à manifestação para checar se estavam todos bem. Foi aí que tomei conhecimento do horror que ainda acontecia no Centro do Rio de Janeiro. Pessoas inocentes perseguidas e encurraladas pela polícia, tiros de borracha, spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo mesmo em quem não estava no protesto, como me contou um amigo que estava em um restaurante da Lapa (a quarteirões da Av. Presidente Vargas), e que viu o dono fechar as portas ao perceber os policiais se aproximando, quando logo em seguida uma bomba de gás lacrimogêneo é atirada pela janela causando pânico entre os frequentadores que começam a sair para apenas serem agredidos e perseguidos por policiais. E APARENTEMENTE NADA ACONTECEU COM AQUELES QUE ARREMESSARAM PEDRAS ONDE EU ESTAVA.

Infelizmente, a agressão policial descabida e indiscriminada não é exceção mas regra no Brasil, onde historicamente há uma nefasta tradição de interferência dos aparelhos repressores do Estado na política nacional. Qualquer rápida pesquisa na Internet ou em qualquer livro de história é suficiente para constatar como andam os presídios brasileiros, ou porque a maioria dos homicídios acontece na periferia das grandes cidades, ou ainda como os diversos movimentos reivindicativos dos cidadãos foram desestimulados (para usar um eufemismo), dentre outros fatores que sequer chamam a atenção para quem nasceu num país acostumado a essa realidade de violência.

Sei que a manifestação da última quinta-feira pode ser considerada “passional”, e que houve crime contra o patrimônio público e privado cometidos por uma minoria, a meu ver como resposta à desastrada maneira como o governo do estado e seus agentes de segurança optaram por lidar com a situação.

Eu poderia continuar este relato com todos os episódios inacreditáveis que ouvi e vi naquele dia, mas acho que o importante seria refletir o por quê de neste país ser perceptivelmente mais incômodo expressar sua opinião publicamente do que, pasme, atacar o bem público.

Allan Carvalho é jovem e sociólogo